domingo, 8 de agosto de 2010

ViDRO

No dia em que o coelho veio ao chão ele caiu sobre a mesa de vidro.
No dia em que elas brigaram na hora do jantar o primeiro barulho depois do silêncio foi o de um copo de vidro se espatifando contra uma das quatro paredes.
Quando eu ganhei esse trio de cicatrizes que costuram a minha mão ao braço esquerdo foi por causa do vidro da porta que eu soquei.
Quando a outra tentou e conseguiu seu suicídio o que eu vi ao chegar no quarto, antes do corpo, antes da morte, fora um pote de vidro tremeluzindo à luz do abajur amarelo.
Era vidro quando deveria ter sido plástico.
Era vidro quando deveria ter sido mentira.

Lembram-se, no início deste ano novo, quando eu abri a janela e o vidro despencou rumo ao chão? Pois então, era vidro ali também. Todo o vidro que colocamos para nos vermos por inteiro e sem reflexos - e que não eram espelhos - pois então, esse vidro todo começou a se retirar, a se abster de nós, eles estão se quebrando voluntariamente, eles estão meio que pedindo - por nós - algum pedaço de intimidade. Alguma parcela de escuridão.

Por isso eu lhes peço: não quero o vidro do box do banheiro. Sinto que ele será o próximo. E não gosto de pensar no sangue escorrendo sob a água do chuveiro. Parece que sempre será preciso mais sangue para colorir toda aquela água.

Eu estou com medo. A tela do televisor é de vidro. Vocês já repararam? No saleiro, no porta-pimenta, no vidro do sabonete, naquela única prateleira? Medo, do porta-retrato. Medo profundo, da garrafa d'água. Queria uma casa toda de plástico. Não. Não é isso.

Era só para dizer que eu quebrei o pote do café. Eu quebrei o pote de vidro no qual guardávamos o pó de café. Bem que eu tentei juntar o pó e colocar num pote plástico. Eu fiz isso. Depois desfiz, porque fiquei com medo de que algum pedaço de vidro pudesse continuar em meio ao pó. Depois pensei que era besteira, porque o vidro ficaria preso no filtro de papel se alguém colocasse o pó para fazer café. Depois não, estava certo, o filtro seria facilmente cortado pelo vidro. Depois fiquei em dúvida sobre quem é mais forte: papel, plástico ou vidro? Mas depois me tranquilizei. Porque faz tempo que a gente não toma um café nessa casa.

3 comentários:

Caio Riscado disse...

=~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Dominique Arantes disse...

vidro dói.

Isadora Malta disse...

me dói mais que um pedaço de vidro. É, muito mais que isso.

necessária.