quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Eu calei porque...

Eu calei porque nós não brigamos mais. Calei pra te ouvir, calei porque você me ouviu tanto a ponto de me entender. É que eu me calo quando estou feliz. Eu que tanto falo me calo pra mostrar felicidade. Não reclamo em silêncio, não faço luto, meu silêncio é sempre felicidade. Minha reserva é falada, então calo pra te mostrar meu amor. Eu calei porque não preciso mais gritar que é pra você se preocupar comigo, você já sabe. E eu me calo de orgulho. Eu calei porque na cama o silêncio se faz necessário. Eu calei porque você me calou com um beijo quando outra discussão estava prestes a começar. Eu calei porque você me orgulha a cada dia que passa. Eu calei porque prefiro escrever. Prefiro te dizer em palavras o quanto quero que essa paz silenciosa dure pra sempre. Ainda que pra sempre seja um silêncio na minha boca. Eu calei porque vi que quando mais te amo é em silêncio, que você é mais lindo em silêncio. Eu calei porque prendi a respiração quando te vi do outro lado da rua, me esperando em silêncio. Fiz silêncio em tua homenagem, parei de respirar em sua homenagem. Você anda merecendo meu silêncio mais puro. Eu calei porque essa é a minha maior forma de sacrifício. Eu calei porque meus gemidos nunca serão suficientes, eu calei porque minhas palavras nunca serão suficientes, eu calei porque meus clichês nunca serão suficientes. Eu calei porque você me pediu silêncio em silêncio. Eu calei para você calar também. Abri a boca para chegar até você e me calando num soluço descobri: você me disse mais coisas que qualquer palavra poderia dizer.

Rosa, a Estela.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Eu calei porque...

Eu calei porque exatamente naquele momento a porta se abriu. Eu calei porque com a porta aberta nada mais fez sentido. [conseguimos manter a porta fechada durante anos]. Então, lhe pregunto: todo o nosso esforço foi em vão? Eu calei porque com a porta aberta vejo que fomos obrigados a esmagar nossa relação, pois nos preocupamos demais com coisas pequenas. Eu calei porque ao ver a porta aberta percebi que nunca soubemos dar valor ao todo. Eu calei porque percebi que todas as nossas brigas sempre foram pequenas perto do "nosso amor". Mas só percebi isso agora e, agora, o agora já é tarde demais. Eu calei porque com a porta aberta não tenho mais como lhe prender dentro de casa. Com a porta aberta você está livre. Vai! Corra pelas ruas, grite, denuncie o cativeiro que fizemos de nossa própria "moradia". Vá aos jornais, exponha nossa história, não se esqueça dos detalhes: das surras de vassoura, dos copos quebrados, das fotos rasgadas, dos livros no chão e do cachorro latindo. Exponha nossa intimidade: fale de quando lhe gozei na cara e de quando me arranhou o corpo inteiro. Ah! Fale também das vezes em que andamos vendados, das velas que derreteu em meu peito. Fale de nossos vícios. Fale dos cigarros que apagamos em nossas mãos por preguiça de alcançar o cinzeiro. Fale de nosso corpo. Desenhe, principalmente o meu, por inteiro. Fale também do nosso sexo sujo, mas dele fale com amor e também de forma doce e irônica, pois você é PH em descrever as coisas desse modo. Conte a todos da redação sobre o dia de aniversário do nosso casamento. Conte também sobre como passamos a ter este animal de estimação que já citei nesta breve carta. Conte como escolhemos as tintas para pintar a CASA e também como fizemos para pintá-la. Você, com certeza, sabe do que eu estou falando. Quer dizer, não sei. Depois que a porta se abriu e eu me calei, acho que não posso dizer que lhe conheço. Fizemos um acordo, tínhamos um trato e você furou! Eu calei tampém por isso. Quando ouvi a porta abrindo, saquei que tudo aquilo que você havia me dito era, na verdade, a imagem que você criou para você. É uma boa imagem, hein? Confesso que caí direitinho, comprei tudo e nem se quer pedi nota fiscal. Ou seja, me calei por decepção. Eu calei porque eu odeio esse cachorro, mas não sou também capaz de botá-lo na rua ou dá-lo para alguém. Eu calei por isso, porra. Porque a porta abriu, você foi, mas a porra das suas coisas ficaram. E toda vez que eu tropeço nelas eu sou obrigado a, mais uma vez, calar. Eu não posso nem convidar outras mulheres para vir a CASA... A porra da sua alma, sei lá se isso existe, ainda mora aqui. Outro dia, eu calei quando no banheiro dei de cara com a sua calcinha pendurada na torneira do chuveiro. Não deve estar te fazendo falta, né? LIXO. Eu calei porque tomei a decisão de jogar tudo o que é seu e também tudo o que um dia chamamos de nosso no lixo. Eu calei, mas, na verdade, essa é a última vez que lhe escrevo e espero, do fundo do meu coração, que compreenda e não insista em manter contato. Eu calei e, por isso, resolvi escrever. Alguns informes: vou vender a CASA e tudo que tem dentro dela vai junto. Vou comprar uma CASA nova, só minha. Vou trocar de cidade, telefone, nome e sexo. Vou tomar 444 banhos para ver se consigo limpar a sujeira sua que ainda resta em mim. Vou também pintar o cabelo, fazer as unhas, comprar sapatos novos e também um novo par de óculos. Desde que você passou pela porta eu não vejo mais nada, pois os meus óculos você que havia comprado. LIXO. Vou escutar novos artistas, mudar de estilo. Vou levar o cachorro, mas agora ele tem outro nome e não me venha com essa história de "nosso filho" para cima de mim. O cão agora chama-se Resto e é a única lembrança que vou guardar de você. Eu calei porque também não tive coragem de ir lá fora, te buscar pelas mãos e pedir mais uma chance pra gente. Sou um covarde. Eu calei porque a porta abriu e você saiu correndo, sem olhar para trás.

Eu chorei porque...

Eu chorei porque dói quando não sai uma palavra dos meus dedos, eu chorei porque me violenta não sentir absolutamente nada que seja digno de se organizar em frases. Eu chorei porque às vezes choro pra ter tinta pra escrever. Eu chorei porque a minha tinta é diluída em lágrima. Eu chorei porque eu choro quando escrevo e dói, doi tanto pensar que talvez tudo isso seja em vão. Eu chorei porque essa dor sobe pela garganta e eu sinto vontade de gritar tudo isso que tenho a dizer, mas não consigo. É como se quando eu começasse a chorar o mundo todo tapasse os ouvidos e de nada me adiantaria gritar. Por isso escrevo. Não sei cantar, por isso escrevo. Não tenho coragem pra gritar, por isso escrevo. Não tenho coragem de amar, por isso escrevo, Não tenho vontade de andar, de fazer, de chutar nada, por isso escrevo. Eu chorei porque eu só sei escrever e isso é tão difícil que choro toda vez que faço. Eu chorei porque eu nunca tenho motivos, mas ainda assim as palavras vem na minha cabeça como se fossem explodir a qualquer momento. Eu chorei porque não tenho medo de balas perdidas, mas sim de palavras. Eu chorei porque um dia eu não tinha caneta, no outro não tinha papel e se um dia eu não tiver mais palavras? Eu chorei porque sonhei que minhas mãos derretiam. Me deixem surda, me deixem muda, mas não me deixem sem minhas mãos. Eu chorei porque minha mãe tem problema de vista e se eu fico cega vou chorar. Eu chorei porque meus livros crescem cada dia mais, mas não cresce em mim a minha vontade de que o meu esteja na sua estante. Eu chorei porque quando me falta amor eu escrevo, quando me sobra amor eu escrevo, quando me dão amor eu escrevo, quando eu sinto saudade eu escrevo. Mas escrever dói. Eu chorei porque descobri que o que me dói não é o amor e sim a vontade de escrever. Eu chorei porque entendi que na verdade, o que me dói é nunca ter o que dizer e me sentir estuprada por isso que sai de mim sem o menor controle. Eu chorei porque muita gente nunca me entendeu, nem acreditou. Eu chorei porque eu li alguma coisa que dizia sobre papéis em branco e quartos vazios. Toda vez que escrevo é como se eu tivesse um quarto cheio de coisas que não consigo enxergar. Eu chorei porque fiquei meses, anos sem dizer uma só palavara e ainda assim não aprendi a cantar. EU chorei porque as frases dos outros se amontoam em mim e eu não consigo escrever. Eu chorei porque me sacudiram e só o que sobrou no fundo do pote foram palavras. Eu sobrei porque queria desenhar e não escrever. Eu chorei porque queria amar e não escrever. Eu chorei porque eu queria andar e não escrever. Eu chorei porque só queria pensar, sem escrever. Eu chorei porque de verdade, eu juro, dói, dói demais sentir essas coisas que . Essas coisas que. Exatamente elas que me fazem chorar. Eu chorei porque toda vez que as lágrimas escorrem elas me dizem alguma coisa. Eu chorei porque quanto mais turvos meus olhos mais claras ficam as minhas palavras.

Rosa, a Estela.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Eu gritei porque...

Eu gritei porque falar não foi suficiente. Porque foi, e ainda é preciso, saber que você cresceu e de coelho se transformou em girafa. Eu gritei porque nessa troca, sem aviso prévio, você passou a ocupar um espaço enorme dentro de mim. Agora você está aqui dentro e eu não posso mais reclamar do vazio. Agora você está aqui dentro e as coisas estão parecendo completas. Mas não. Eu gritei para tentar trazer você comigo, na verdade. Eu gritei, pois juntos invertemos a ordem normal das coisas. Ou seja, agora que você está aqui dentro já não é mais preciso parir. é que você nasceu antes da concepção. nasceu assim, no susto, sabe? Eu gritei porque quando vi você transbordar por meus pequeninos furos, nada pude fazer ou pensar. Eu gritei para externar a dor que agora sinto. Eu gritei porque falar não foi suficiente. Porque agora estou pesada, gerando um filho que nunca mais vou tocar, ninar beijar, amar fisicamente. Eu gritei na hora de ir embora, descendo daquele ônibus gelado em buscado do calor do seu abraço. Eu gritei por mais esse laço. E, embora acredite em frutos verdes, estou sem graça de comer-lhe o último pedaço. Eu gritei porque estou grávida de algo que já esta na escola. de algo que já pensa, lê, formula questões e, mais para frente, vai também se questionar se do meio se vai para frente ou para trás. Eu gritei porque estou grávida do jardim zoológico e dentro de mim não há espaço para tantas jaulas e gaiolas. Mas você está aqui. Tomando meu ar, minha comida, meu suco gástrico. Ás vezes, em ruas muito movimentadas, você chuta. Eu sei, já compreendes o perigo, separando o seguro do ameaçador. Eu gritei porque agora que estou gorda de você vou precisar entrar em regime de dieta. Eu gritei porque não quero emagrecer, mas será preciso. Pois tomei a decisão de lembrá-lo em doses pequenas. Não posso abortar mais uma história de amor.

domingo, 25 de outubro de 2009

eu calei porque...

porque acabou, mas na verdade eu não reconheço o fim, porque era bom estar com você todos os dias, bom respirar junto, suar junto, pensar junto, repensar. Porque repensei e achei melhor calar. Porque do nada as coisas acontecem e a gente nem percebe. Porque talvez tenha sido a semana mais rápida da minha vida e quando fui tomar o café vi que ele já tinha ficado para trás naquela tarde chuvosa. A música já estava decorada, o sorriso já estava na cabeça e as alegrias e os nervosismos já eram identificados com facilidade. Usei a calça dobrada de um jeito diferente naquele dia e só você reparou e quando vi estávamos brincando feito crianças de 2 anos de idade e só a gente achava isso bonito. Porque ninguém mais sabia falar desse jeito, só a gente. Porque se não estamos juntos acho melhor esquecer. Porque na verdade tudo que fizemos foi gritar, melhor calar por um tempo então e ficar assim com vocês, no silêncio, é difícil e fácil, bonito e feio, alegre e triste e talvez necessário, não se sabe de fato nada.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Eu calei porque...

Não consegui ser sincero. Calei porque o contrário seria te ofender e isso eu não quero. Eu calei porque dentro eu ainda reverbero. E ficar quieto, engasgado, me faz estar vivo, ainda pulsando, ainda não todo desesperado. Eu calei porque não tinha nada a dizer. Calei porque não era a minha vez. Calei de novo porque tive dúvidas. Calei porque não sabia se podia ou não depois de tudo o que aconteceu. Calei por medo, calei pela camisinha rompida, pela morte abrupta, pelo medo - novamente - de se aproximar sozinho daquela esquina. Calei nos seus cabelos, calei nas suas rimas. Eu calei sempre e toda vez que alguém me chamou de menina. Calei nos degraus, calei nos calos. Calei hoje e sempre aos pedaços, com medo de ver que sim, podemos ser esmagados. Eu calei porque não falava aquela língua, eu calei porque as sobrancelhas se ergueram. Calei porque as testas enrrugaram. Porque as mãos se contorceram e mesmo sem ver, eu ouvi, todos os dedos juntos estalaram. Calei porque queria um silêncio. Calei inda mais porque o silêncio ficou pesado. E silêncio pesado não é silêncio, é culpa. Calei por culpado. Calei por te mandar calar a boca. Calei por falta de ar. Calei por superoxigenação. Calei por medo de altura. Calei por resignação. Por concordância. Por discriminação. Eu calei porque se falasse sairia de mim meu coração. Num pulo, eu calei, porque é o que fazem os seres quando inseguros. Não é? Calar para evitar um terremoto. Para evitar um acesso. Calar para evitar um colapso.

Violenta no MoLa 2009 - Mostra Livre de Artes

Dia : 30/10/09

21h50m - Pacotão videoarte 3:

Título: Violenta entre quatro paredes
Gênero: videoarte
Duração: 6’07’’

Sinopse: O tema se desdobra na abstração de imagens criadas com o objetivo de refletir sobre sensações interiores causadas pelo estado de violência, do pós.

Exibição do produto A.

http://www.circovoador.com.br/mola2009/
http://mola2009.blogspot.com/

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

crítica sobre a performance: Violenta-entre 4 paredes-segunda etapa-interação dos atores com produto A gerando produto B

"Violenta entre quatro paredes é uma violência "à seco". Em seu estado puro, no que tem de mais essencial e fugidio.
Uma violência tão pura, que é capaz de surgir dos atos menos impensáveis. Das manifestações mais sinceras de carinho (abraços afetuosos), dos movimentos mais inusitados (auto-agressão), dos pedidos corriqueiros de silêncio (todo o mundo já ouviu um 'psiiiii' inconveniente).
Uma performance jovem, com atores no auge de seu fôlego, no clímax de seus corpos, que mesmo com toda a sua jovialidade já foram, são e serão, como todos nós, violentados.

Palavras, pedidos, histórias que violentam. Tudo na vida pode nos violentar! E a arte da performance sempre violenta nossa vida cotidiana.

Uma performance em processo, processo de amadurecimento, de endurecimento. As imagens primeiras (produto A), se misturaram violentamente, como não poderia deixar de ser, com a performance viva (formando o que será o produto B). Aqueles corpos jovens - violentados por abraços convulsivos, repetições alucianadas, palavras incisivas, silêncios impostos - num ritmo brutal e atual, acentuado pela ausência de trilha sonora, conseguiram interagir e dialogar com um ritmo brutal, mas virtual das imagens primeiras. Em um diálogo íntimo e espotâneo, atores se violentavam e eram violentados acompanhando e reafirmando um processo pelo qual já haviam passado. Vemos então passado e presente que se encontram, em um tempo puro, no tempo da vida, vida que é pura violência.

A performance se completou no "Meio". O meio da performance foi, na verdade, o final dela, pois este "Meio" violentou e matou a própria perfomance. A partir daí, deste ponto no meio do caminho, o ritmo que antes era convulsivo, violento, o tempo que antes era puro passou a ser sincrônico, progessivo. A perfomance que era dura, seca e impessoal se transformou em um teatro cômico e blando, quase um stand-up aonde os atores se individualizavam e competiam pela atenção do público, que já possuiam. Neste momento fui violentada. Me sentei no chão para não ver o fim cômico, quando poderia ser trágico, da performance que me violentava e me dava prazer.

Mas assim como a vida, a arte também nos violenta. O choque foi tamanho, que me levou a escrever esta breve crítica, pois como diria o grande poeta, que sofreu toda uma vida como "tísico profissional": sem choque não existe necessidade nenhuma de crítica. O choque da interrupção abrupta da performance, foi violento como um coito interrompido, como o último pedaço de papel higiênico do rolo, como a última carta que sempre desmorona o castelo. Mesmo violentada, espero pelo produto final deste trabalho em progesso, o momento em que a performance se juntará ao tempo virtual do vídeo, sendo atualizada no tempo real de uma instalação. Esperamos ansiosos por isso, pois já que não podemos evitar a violência que a vida e a arte nos impõe, tentemos, ao menos, obter algum prazer neste fluxo de sofrimento. Masoquismo, talvez? Por quê não?"

Marce.

sábado, 17 de outubro de 2009

Eu chorei porque ...

Eu chorei porque não sabia e por não saber eu fui indo. Eu chorei porque quando me olhei , eu já não era mais “ eu” , eu era um outro eu à quem eu não fui apresentada. Eu chorei porque eu ainda queria brincar de pique , mas fiquei menstruada. Porque desde lá há sempre sangue saindo de mim . Eu chorei porque assim as pessoas me entendem mais forte. Quando você sangra , as pessoas te entendem mais forte. Eu chorei porque eu fui obrigada a ser madura antes de saber o que isso significava. Eu chorei porque eu perdi sangue em algumas relações . Chorei porque em outras nem pele eu perdi e em outras mais nem saliva. Chorei porque eu ganhei . Chorei porque eu ganhei cansaço , astucia , maldade. Chorei porque eu aprendi a andar sem mãos dadas. Chorei quando eu pintei as unhas de vermelho. Chorei quando eu amei e quando eu não amei e quando eu transei e chorei por falta de gozo também. Chorei por ser engraçada demais. Chorei porque no espelho é difícil ver o que há por dentro do corpo. Chorei porque eu não vi a e decidiram por mim . Porque eu não falei que não, nem que sim ,e decidiram que eu aceitaria. Eu chorei porque eu fiquei bêbada e quase fui estuprada. Chorei porque eu própria me estuprei, me invadi , me virei em outra. Chorei por que eu não encontro o caminho de volta.

O nosso casamento me violenta ..

O Nosso casamento me violenta porque você é demais, você é em excesso. O nosso casamento me violenta porque você não me deixa dúvidas , você não olha pros lados , não olha pra trás , você não se olha. Me violenta porque você se olha demais e só se vê vivo comigo. ME Violenta . Por falta, falta de briga , de rasgos , de sangue, falta de lençol suado, de cortes, falta de pratos quebrados , falta de cacos ...O nosso casamento me violenta porque a gente se ama demais , esse nosso amor é tão compreensível , e o que eu precisava era não compreender nada por alguns instantes, eu precisava não saber que você me é inteiro fidelidade . Me violenta porque eu preciso de certas incertezas pra sair do lugar. Me violenta sua falta de criatividade, no sexo , na cozinha , na conversa . Porque você já escreveu em todo o meu corpo , em todas as partes , e eu não tenho coragem de te apagar de mim . ME violenta porque você não me risca , só me escreve em versos, me acha poesia . Me violenta porque eu queria ir .. mas não consigo , não sei partir com sua mão em mim . ME violenta porque a sua mão me faz lembrar das coisas que eu perdi , e do que eu poderia ter sido sem você. Me violenta porque eu não tive coragem de ser nada que te pudesse ferir, me violenta porque você chora sempre e eu tenho que engolir à seco o que você diz. Porque tenho que te entender antes de entender à mim . Porque você é frágil e não enxerga que eu sou mais ainda, porque você me ama e eu mais ainda ...... Porque eu sempre puxo o lençol ... O nosso casamento me violenta porque você é incapaz de puxar o lençol de volta e me deixar sentir frio. Me violenta porque quando me falta ar eu respiro o seu.

Eu sobrei porque ..

Eu sobrei porque às vezes eu não respiro direito , e quando eu não respiro direito , minhas vias aéreas entopem. Sobrei porque eu tenho sinusite , e eu fico sem ar toda vez que a casa “tá” empoeira. Eu sobrei porque sem ar eu não consigo abrir os olhos direito , e não consigo ver o que é verdade . Eu não consigo ver outros olhos. Eu fico embaçada. Eu sobrei ´porque sou embaçada , não consigo sem límpida , porque sempre tem um vestígio de algo que nunca se anula em mim . Eu sobrei porque eu não queria me anular , mas foi isso que eu dei a entender. Porque eu não me entendi mais. Eu sobrei porque eu sou entupida , embaçada e meus sentidos todos são frágeis. Porque eu não consegui ver que alguém chegava também , que alguém chorava também e ria. Eu sobrei . Sobrei porque eu fico tentando eliminar as coisas através de espirros ao invés de gritar qualquer verdade. Porque eu não sei cantar , e então eu danço calada. Porque meu corpo ta paralisando , de tanta poeira acumulada, e há um ano que eu espirro tentando ser verdadeira. Sobrei porque meu corpo inteiro é sobra , é catarro querendo ser espirrado , não tinha outra maneira . O que é acumulo é sobra também. Eu sou toda acumulo , e sobra , e eu sobrei ....

Eu sobrei porque ...

Eu sobrei porque eu falei pra você sobre medo. O meu medo de sobrar. Sobrei porque meus seios sobram na suas mãos e no sutein , eles sempre sobram. Eu sobrei porque quando eu olhei pra trás eu percebi que tinha outro corpo mais marcado do que eu . Eu sobrei quando percebi que não éramos mais um numero par , e com impar sempre um sobra. Sobrei porque tive medo de ser par de alguém. Sobrei porque você parou de escrever em mim , me deixou com frases inacabadas. Sobrei esperando um final feliz , mas não tem . Nem feliz, não tem final. Eu sobrei porque achei que meu sorriso era símbolo da minha segurança e não do meu medo de sobrar. Mas ele é medo. Eu sobrei porque temi ser julgada. Sobrei na tentativa de não tremer. Sobrei porque fiquei vendo há distancia tudo que acontecia enquanto eu me protegia. Eu sobrei porque quando eu abri a porta, o chão me tocou de forma estranha e eu não consegui entender o que aquele lugar me dizia. Eu sobrei porque não sabia que haveria buracos , e outros milhares de corpos , e escritas... sobrei procurando a caneta pra terminar suas frases inacabadas em mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

porque talvez seja só uma tentativa. Vou te ligar.

Porque eu não consegui fazer nada. Me ajuda? Porque as perguntas se confundem com o bom dia, porque continuamos dividindo nossas solidões e mesmo quando percebemos que ela vai se esgotando aos pouquinhos, mesmo assim continuamos. Porque sempre achei melhor que ficasse do jeito que tá. tanto faz na verdade. Na verdade começou a doer e depois passou, eu esqueci e só consigo lembrar quando não tento. Parece maior que eu. Porque as palavras me escapam de vez em quando e não consigo acompanhar. As consequencias são eternas, eu sei. Ouvi dizer. Começa assim: Entendeu? Vou tentar explicar melhor. Como era mesmo o nome? Eu esqueci...desculpa. Porque na verdade a surpresa foi maior que eu. Não vou mais crescer. Quando eu vi nunca tinha estado lá. E descobri que antes não sabia o que era a beleza. O que era estar com alguém. Nunca havia estado, eu acho. Não me lembro. Você pode me ligar? Obrigado. Vou ficar esperando. Tá!?

Discussão na mesa do jantar - parte 2.


Eu sobrei porque...

eu sou rica! Porque estudei em Cambridge, porque falo francês, inglês, mandarim, espanhol e português. Porque não posso falar das minhas conquistas para não parecer arrogante. Eu sobrei porque a minha riqueza ofende as pessoas. Porque fiz mestrado em Havard, porque tenho passaporte europeu, porque ganhei prêmios, porque tenho os olhos claros e nunca fiz escova progressiva, porque sou magra de ruim, porque meus dentes são brancos e porque nunca precisei usar aparelho, porque sou jovem. Sobrei porque tenho berço, porque não sou classe média. Porque o preço da Osklen não me afeta, porque não conheço o verbo parcelar. Porque sou simples, respeito as pessoas e tenho dinheiro.

Eu sobrei porque...

eu sou gorda! Porque não posso usar roupas de lycra, porque preciso comprar dois assentos e cinco barras de chocolate garoto para viajar. Porque por mais que eu emagreça ainda vai sobrar muita pele, como uma lona murcha de circo, e essa lona murcha vai me lembrar o meu tamanho de elefante, porque tamanho é um documento que não se perde. Eu sobrei por falta de aspartame e excesso de açúcar. Eu sobrei porque dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles e um pão com gergelim. Eu sobrei porque não sou simpática como todo gordo beijoqueiro. Porque preciso chamar atenção pela minha inteligência e não pela minha beleza.

Nosso casamento me violenta...

por excesso de intimidade, porque quando te pedi sinceridade você jogou as verdades mais cruéis na minha cara e eu não soube o que fazer com elas, porque você faz barulho quando mastiga, porque você come carne de porco e eu sou vegetariana, porque só se tem um grande amor na vida e eu gastei o meu com você. Me violenta a depressão, as noites, as lágrimas e os quilos perdidos. Saber que acabou e ainda assim continua. Sua bissexualidade, sua feiúra e sua beleza me violentam.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Qual é a embriaguez de VIOLENTA?

"

8.

Da Psicologia do Artista. Para que haja a arte, para que haja uma ação e uma visualização estéticas é incontornável uma precondição fisiológica: a embriaguez. A embriaguez precisa ter elevado primeiramente a excitabilidade de toda a máquina: senão não se chega à arte. Todos os modos mais diversamente condicionados da embriaguez ainda possuem a força para isso: antes de tudo, a embriaguez da excitação sexual, a mais antiga e originária forma da embriaguez. Da mesma forma, a embriaguez que nasce como conseqüência de todo grande empenho do desejo, de toda e qualquer afeto intenso; a embriaguez da festa, do combate, dos atos de bravura, da vitória, de todo e qualquer movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez na destruição; a embriaguez sob certas influências metereológicas, por exemplo a embriaguez primaveril; ou sob a influência dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade acumulada e dilatada. - O essencial na embriaguez é o sentimento de elevação da força e de plenitude. A partir deste sentimento nos entregamos às coisas, as obrigamos a nos tornar, as violentamos. – Denomina-se esse evento como uma idealização. Desprendamo-nos aqui de um preconceito: o idealizar não consiste, como geralmente se pensa, em uma subtração e uma dedução disto que é pequeno e secundário. O que é decisivo é muito mais uma monstruosa exaltação dos traços principais, de modo que os outros traços pertinentes se dissipam.


9.

Neste estado, tudo se enriquece a partir de sua própria plenitude: o que se vê, o que se quer, se vê dilatado, cerrado, forte, sobrecarregado com a força. O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até elas refletirem sua potência: até elas serem o reflexo de sua perfeição. Este ter de transformar em algo perfeito é - arte. Tudo mesmo o que ele não é, vem-a-ser apesar disto para ele prazer em si; na arte, o homem goza de si mesmo enquanto perfeição. [...]

"


Trecho do capítulo INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO, integrante do livro CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS de F. NIETZSCHE. Grifos meus.

apropriação de...

... poemas e prosas da pasta rosa de ana c. + imagem postada em discussão na mesa do jantar

antes de ontem deu discussão na mesa do jantar. de novo. acho que a gente entendeu, não sei como, que a mesa de jantar é lugar de discussão e não de jantar. acho que ninguém comeu nada. a comida também estava fria. além disso, tinha uma cadeira virada. a outra sentou no chão, disse não vou levantar não fui eu quem deixou ela no chão. a outra, ainda mais indignada, começou a mexer nos talheres como se pudesse descontar neles o seu desespero. eu não falei nada, acho que nem estava na sala, porque não fui eu que coloquei a cadeira no chão, virada, impedida de ser cadeira. a mesa estava posta, mas quem foi que colocou a mesa, quer dizer, a cadeira no chão? quem foi que deixou ela virada? assim não dava para ter jantar. a gente se olhou, meio pausadamente. era como se olhássemos cada um para um parente morto sentado à mesa e depois, apenas depois, tivéssemos a medida de que sim, estávamos sozinhos. quer dizer, que sim, éramos apenas os três. depois disso a outra voltou a se emburrar. achei que fosse por causa da comida fria, mas não era culpa de ninguém. a comida esfriou porque não amamos o pão nosso de cada dia, por isso. não era culpa de ninguém. mas confesso. dava um silêncio entre a gente (entre os parentes mortos sentados à mesa) e todos voltávamos à questão. pode falar foi você? não fui eu você sabe que não fui eu qual é o problema em não sabermos quem foi? o peso dos parentes mortos fez todo sentido. nos olhamos. entre nós os avós todos os primos. tudo falecido na hora do jantar ganhava vida. talvez por causa disso a comida fria. talvez por causa disso os talheres intocados. talher de ferro é mais frio. talvez por causa disso permaneceram limpos, todos os guardanapos.

Nosso casamento me violenta...

Porque nosso casamento não me violenta tanto quanto deveria violentar. Nossa casamento me violenta porque não vira capa de revista, porque não vira manchete de jornal. Nosso casamento me violenta porque vira apenas o leite sobre a toalha limpa na mesa, porque vira a página, porque vira sempre acostumar-se. Me violenta porque você demora a escovar os dentes. Porque você quer que eu seja como você e porque eu quero que você seja eu. Me violenta porque a tampa do vaso está sempre levantada e eu não tenho motivo para reclamar. Me violenta porque você me faz descongelar a geladeira. Me violenta o nosso casamento porque sempre se faz algo em troca de algo mais. E eu estou sempre devendo. Me violenta porque as flores de casa morreram. Porque as frutas acabaram. Porque tem comida azeda dentro da geladeira e nenhum dos dois faz nada. Me violenta porque é nosso, foi a gente que quis, a gente que fez, a culpa é nossa, mas parece ser de outro alguém. Porque suas roupas íntimas ficam atrás da geladeira. Porque minhas roupas íntimas querem ficar atrás da geladeira. Me violenta porque a casa não comporta nós dois. Me violenta o farelo de pão sobre o chão. Me violenta os pedaços de unha, os fios de cabelo, a sua ausência. Nosso casamento me violenta porque a felicidade me assusta. Então me violenta porque eu tenho medo de me assustar. Nas pequenas coisas, nosso casamento me violenta, como nos copos colocados no lugar errado. Como na janela mal fechada. Nas grandes coisas como mudar a ordem dos móveis da sala. Nosso casamento me violenta porque não temos um fogão. Porque a nossa fome destrói tudo, tudo consome e me violenta porque a gente não se come. Nosso casamento me violenta porque somos repetitivos porque eu te digo tantos porquês e a sua cara é sempre a mesma, é sempre aquele maldito sorriso. Que me violenta, porque eu amo mesmo assim. Me violenta porque acho que confundimos amor com violência. Me violenta porque acho sempre que os nomes estão trocados. Me violenta porque você corrige o meu português e me diz violenta-me quando dói em mim, por isso o me antes do violentado. Nosso casamento me violenta porque casamento me violenta, mas você capturou minha liberdade. Me violenta porque eu não sei ser pleno, talvez eu precise mesmo desse atrito, dessa troca, dessa dúvida, dessa coisa toda assim assumidamente torta. Acho que o nosso casamento me violenta porque eu não conseguiria viver sem ele. E no dia que eu conseguir isso, será provavelmente porque eu estarei morrendo.

Trecho da carta: Do fundo do coração, ou Love, Love, Love

"Um lento Não. Um claro Não. Um seguro Não. Um límpido Não. Um tranquilo Não. Um sem dúvida alguma Não. Um sem-volta Não. Um para-sempre Não. Um negativo Não. Um afirmativo Não. Repete, pedi. (...). The reencontro: quando dei por mim estava dizendo as coisas mais duras e agressivas e cruéis e impiedosas e injustas e ferinas e baixas e grossas que uma pessoa pode dizer à outra."

Caio Fernando Abreu

Discussão na mesa do jantar.


Poemas e prosas da pasta rosa de Ana C.

24 de maio de 1976

"Discussão na mesa do jantar. Assunto, o vazamento que molhou o corredor. Mamãe acha que o papai é um mole.Papai pergunta por que ela mesma não vai tratar do assunto. Não dizem tudo o que pensam. Mamãe mandou atapetar quando papai viajava, surpresa. Há silêncio, curiosidade de saber o desenlace. Mamãe diz que projetou o filme para mais duas turmas. Papai diz que queria tanto tocar órgão, ensaia, dedilha no ar. Pergunta de mamãe se ele já terminou o trabalho da Bloch? Ânimos serenados pela tática de mútuos redesvios. Depois do jantar os homens descolam o tapete com ferramentas. Todos participam do alagamento. Escrevo in loco, sem literatura. Hoje li nos avulsos de Machado: regras para andar de bonds. Muita atenção a escarros, cuspes, catarros e perdigotos."

- da categoria dos PRONTOS, mas regeitados
Ana Cristina Cesar

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Dói envelhecer




Papel higiênico

DÓI tudo. dói a distância. dói meu intestino grosso. DÓI receber seus postais de tão longe e perceber o quão longe você está. dói a cabeça porque dói a LEMBRANÇA. dói as pernas quando eu corro e dói ainda mais quando eu não chego. dói eu não sentir o que eu sentia por você. dói os dentes quando eu mastigo meu café da manhã sem graça. dói meu dedo quando não tenho para quem ligar. dói meu olho porque não tenho para onde olhar. DÓI A TATUAGEM QUE EU NUNCA FIZ. dói respirar. dói quando toca aquela música: your just too good to be true, I can't take my eyes of you. dói a IMAGINAÇÃO pois imagino tudo o que não vai acontecer. dói o futuro. dói o passado. dói o tempo que passa e não volta. não volta. não volta. não volta. não volta. DÓI O PREÇO DA OSKLEN. dói fritura. dói o 1 centavo de troco. dói 1h30 minutos para chegar. dói 1h30 minutos para voltar. dói 3 HORAS TODOS OS DIAS. dói não ouvir a sua voz. dói a fumaça do CIGARRO que eu não tive o prazer de fumar para ficar com a pele mais bonita. dói a beleza no interior da minha vagina. e dói minha unha no interior da minha boca. dói quando eu ligo a TELEVISÃO. dói o cheiro do 212. dói mulheres de aparelho dentário. dói quando eu caio nas TAXINHAS . dói quando alguém me diz: "Nada é por acaso", "Deus fechou uma porta mais abriu uma janela". dói os pêlos do meu corpo ao captar a sua presença infâme. dói cada gaveta que eu abro. dói no meu pé. dói no meu nariz. e dói na minha bunda. INDIFERENÇA dói. dói noites em claro e dias sombrios. dói esquecer o que eu tinha pra falar. dói falar o que não era pra eu dizer.

The decapitator


Eu chorei porque...

Sempre que eu tento chorar eu não consigo. E nesta última tarde, eu nem tinha pensado nisso quando o meu olhar pesou o mundo inteiro e desde esse segundo eu me permiti ser rio e não barranco, ser curso e não bueiro. Porque eu quis e quero e queria inundar. Sabe, afogar você mesmo nisso tudo que quer te tomar? Porque todas aquelas perguntas eram insuspeitas, mas a coincidência era demais, como eu poderia acreditar que alguém me perguntava dos meus amigos por perguntar, assim, como quem não quer nada, assim, como quem pergunta por interesse e não porque queria dizer que um deles havia acabado de morrer.

Chorei porque nesse dia eu entendi o que era o vazio. Porque nesse dia eu percebi que carregava ele dentro, que era meu, era meu corpo doendo incontido. Porque perder alguém é ter que se perder também. Vai-se um pouco em cada partida. Por isso hoje eu odeio tanto ter que dar adeus, mas eu dissimulo, sacudo as mãos diferente, para não ser efetivamente um tchau, uma despedida. Porque eu tive que lembrar de tudo que foi último. De tudo nosso que havia sido a última vez. O último abraço, as últimas palavras, os últimos tempos, os últimos sonhos compartilhados, as últimas coisas que foram tão triviais, porque não sabiam - ainda - que seriam algum fim.

Chorei porque morrendo você eu vi você indo e eu indo atrás, por extensão, por ser tão próximo, por sermos tão jovens, por sermos mais que amigos, chorei porque não encontrei forças para te segurar e dizer FICA! Chorei porque te vi inúmeras outras vezes, passando por mim em trocentas esquinas. Mas não, chorei porque depois que te vi não te vi. Chorei porque pedi aparece, pedi em silêncio, dá um sinal, e nada. Chorei porque me convenci que você estava aqui, perto, me vendo, me guiando, mas porque eu fora obrigado a não te ver, não te tocar. Chorei porque naquele dia entrei na farmácia e fui mexer nos cremes para cabelo. E achei o seu. E fechei os olhos e cherei seu cheiro. E chorei porque abri os olhos e vi que agora ele podia ser de qualquer um, menos de você outra vez.

Chorei porque durante muito tempo você me foi choro. Como se quisessem (quem?) compensar a alegria que foi viver você, que foi estar junto, viver junto, juntos crescer. Poxa, chorei como agora vou me dissipando, porque eu não queria que fosse assim. Chorei pelo desastre, pelo susto, pelo baque, pelas coisas que eu teimo em dizer poderíamos ter consertado, ah... Chorei porque sequei. Chorei porque vi fotos. E ontem vi de novo. E chorei porque a dor não é só minha. E quem talvez leia isso aqui vai pensar que você é outro alguém que não você. E ao saber disso eu vou chorar, dentro, em silêncio, porque vou perceber como o mundo é feito das mesmas dores, e cores, tão rubro, seus cabelos, que nunca mais vi outra vez...

Devia ter roubado um pedaço seu. Para ter trazido junto comigo, sabe? Devia ter gravado a sua voz, para colocar nesta noite e dormir sonhando, repetindo, sonhando, repetindo... Devia tanta coisa que não sei se devo. E se hoje eu chorei é porque o passado ainda está inteiro. Quase todo, faltando você. Mas está aqui, me fazendo saber por tudo aquilo que passei. O que fui. Devia ter te roubado. Te algemado e inventado tudo de novo. Chorei porque quis me culpar para ver se nisso algo se consertaria, mas não. Porque você deixou uma carta. E eu estou nela. Chorei porque você me pediu desculpas, mas não durou mais tempo sequer para que eu te desculpasse.

Mas eu o fiz, certo? Eu estava lá até o último segundinho. Até ver a terra cobrindo você, você virando túmulo. E chorei, como outras vezes, e chorei como se quisesse dizer de outra forma como dói tudo isso como amamos e como amar por vezes é precipício... Eu chorei. Porque descobri que quanto mais se ama mais se pede para chorar. Eu choro. Porque eu ainda não aprendi a não amar. E vou chorar. Por você, por mim e por todos os outros que inda vamos afagar...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nosso casamento me violenta porque...

ento me Nosso casamento me violenta porque, desde de pequena, fui ensinada a acreditar em você. Nosso casamento me violenta porque, desde pequena, eles me diziam que quando eu estivesse com você, ao seu lado, tudo estaria em paz. Nosso casamento me violenta porque você está em todos os lugares, mas nunca está comigo. Nosso casamento me violenta porque, ao contrário de todos os outros, em você eu não vi abrigo. Nosso casamento me violenta nas formas em que você se justifica e expande sua doutrina. Nosso casamento me violenta porque em sua casa eu não me sinto seguro. Nosso casamento me violenta porque nunca podemos ficar a sós. Nosso casamento me violenta porque não temos privacidade. É isso. Me violenta porque quando te vejo minha vontade se perde e meu mundo se transforma. Porque perco minha trajetória até então estabelecida e me certifico que com você não posso subir o elevador. Pois subiria sozinha. Nosso casamento me violenta porque você sempre prefere se fazer invisível. Me violenta porque todos chamam seu nome e eu já nem sei mais se sou tua. Me violenta porque quando você tira a minha roupa, meu corpo se abre por inteiro. Porque me vejo nua ao seu lado e você nada diz ou faz. Me violenta porque, ás vezes, você se cansa rápido demais. Nosso casamento me violenta porque ao seu lado eu não posso ser puta. Me violenta sua extrema necessidade pelo sublime, sua admiração pela pureza e simplicidade. Me violenta porque quando estou ao seu lado sei que está pensando nela. Maria Madalena. Me violenta porque posso me envolver com mais de mil pesares e nenhum deles fará sentido para você. Nosso casamento me violenta porque acreditando em você eu perdi o juízo e, depois disso, nada mais tem cor. Nosso casamento me violenta porque nele todas as alegrias terminam em dor. Nosso casamento me violenta porque nessa brincadeira de acreditar eu pirei e, ás vezes, acho que sou você e você sou eu. Me violenta porque dentro do meu guarda-roupas não vejo mais o manto seu. Nosso casamento me violenta porque as pessoas gostam demais de você e não fazem idéia do quanto você pode ser rude, cruel. Me violenta sua imagem, ali parada, crucificada. Nosso casamento me violenta porque desde o dia que você anunciou morrer por mim eu não parei de chorar. Me violenta porque meu choro foi de alívio por não precisar mais lhe suportar. Me violenta porque no dia em que você se foi, minha vida começou a acordar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

eu chorei porque eu queria tanto, mas tanto

eu chorei porque apesar de você estar de manhã do meu lado era difícil te tocar, porque quando eu cheguei em casa o gato tinha derrubado o copo de vidro cheio de água dentro e você não enxugou e nem catou os cacos, porque a planta tinha morrido, porque o livro de cabeceira estava na gaveta, porque tinha pó dentro do armário, porque as crianças estavam com as blusas ao contrário, porque liguei pro telefone errado pra te avisar que precisava tirar o café da geladeira, porque quando falei com você no telefone não falei o que tinha que falar, porque marquei um encontro sábado e apareci domingo, porque passei a sombra na boca, porque acendi o cigarro ao contrário, porque coloquei açucar no seu café e tinha que colocar adoçante, porque você já tinha me avisado, mas eu esqueci, porque lembrei que Hitler tinha governado na primeira guerra mundial, porque ao invés de enxugar suas lágrimas fiz você chorar um pouco mais, porque tinha que pagar 15 reais e só tinha 50, porque comprei nossos ingressos adiantados e perdi, porque quando você queria lembrar qual era o seu cheiro eu esqueci, porque queria cantar uma música pra você e só me vinha na cabeça a que ouvi no rádio antes de chegar em casa, porque eu pintei, ai, meu deus, eu pintem, pintei sim, a parede errada, e ainda por cima pintei de rosa e esqueci que era a cor que você menos gosta. Porque escrevi uma carta pra São Paulo e mandei pro Japão. Porque eu te contei um segredo que não era pra te contar. Porque enchi balões de todas as cores, fiz um bolo e acendi uma vela no dia do seu aniversário, mas era o dia errado. Porque corri pra te beijar mas só te abracei. Porque na hora de ir pra casa fui parar na sua casa. Porque eu queria tanto te elogiar, tanto ,mas tanto que eu falei que seu corte de cabelo estava um pouco torto. Porque cheguei em casa e te disse bom dia!? Porque eu estou tentando. Eu estou tentando...sim, acertar sem ter que colocar as coisas no lugar.

choro de estela

"Eu acordei e você estava longe, eu precisava te agarrar com força, te morder, eu precisei de você ontem de noite e você não estava lá. Parecia que eu ia cair dentro do meu coração se não te agarrasse, havia um furo negro que não terminava no meio do meu peito e eu ia despencar, tive uma vertigem, precisei me segurar na cama com força, cravar as unhas no lençol. Eu acordei e você dormia tão linda, eu chorei porque você dormia tão linda. Eu sei, sei que podia, mas não quis te acordar, ter você dormindo ao meu lado era tudo o que eu queria."

- Beatriz Bracher, Davi (ter você dormindo ao meu lado era tudo o que eu queria).

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Carta a um novo endereço

Oi ,

Nem sei como dizer. É muito difícil estar aqui, assim , aberta , cheia de feridas à mostra. É difícil. Mas eu “tô”. Queria dizer sobre nós. Nossos corpos. A relação de nós dois. Primeiro queria falar sobre meu braço direito. Tenho três marcas , uma de infância , de um tombo de bicicleta , outra de uma vacina e a terceira é um pedaço da sua unha ainda cravada em mim. Você sempre foi mais forte. O engraçado é que eu não chorei. Seu excesso de músculo que te fez despencar sobre a chuva. Eu só corria. Bom, mas não é disso que vim falar. Quero falar de seios. Os meus. Você sempre achou grande demais pra suas mãos. Onde já se viu? Alguém reclamar de excesso... Eu reclamei você , e seu excesso de reclamação. Meu corpo reclamou seus pudores .Essa sua mania de criticar qualquer ato espontâneo do meu_ corpo. Eu estava ali, com meu corpo, e tudo que queria era a intensidade. Certo , eu me assustei com meus próprios movimentos ao redor de nós. É estranho falar assim, como se tudo ainda estivesse aqui, vivo. Mas, a verdade é que eu nem consigo movimentar-me em sua direção. Fico lembrando daquele terceiro corpo, que tem mais marcas que o meu , mais dores que o meu... Você o mapeou inteiro , e eu sobrei. Mas não chorei.Que isso fique claro, eu sobrei e estou aqui. Em pé. Na direção oposta de vocês. Porque eu corri demais tentando ser parte de algo de onde fui cuspida pra fora tantas e tantas vezes. Muitas vezes , eu me obriguei à agir com naturalidade enquanto vocês riam. Eu ria também. Deveria fazer isso , queria ser parte disso , de vocês. Três. Nunca foi meu número de sorte. Sempre preferi os pares aos ímpares. Acho que era pelo medo de sobrar. Eu “to” sobrando. Estou em frente ao espelho , e estou sobrando de mim mesma. Muito estranho eu falar isso para você, você deve estar rindo. Não me importo.Eu que estou sobrando, e quero gritar minha sobra. Eu não vou chorar. E nem espero que você volte. Aliais, a única coisa que eu quero é que você tire sua unha do meu braço , ta sangrando faz algum tempo. Mas veja como eu sou forte , não chorei. A sua unha vai sobrar! E eu vou rir. Eu “ to” rindo . Que delicia! Calo-me .Não era isso que eu queria dizer, nem rir, mas já escrevi e não permito rasuras de mim mesma. Deixa ficar. Olho para frente , esse espelho ainda é muito embaçado por lembranças. Acho que estou me cortando cada vez mais. Esse corpo estranho que eu olho , está todo aqui inteiro. Não quero apagá-lo , não posso. Chorei. Desculpa. Eu não queria. ( agora falo com minha própria imagem , mas vou continuar escrevendo à ti) Dói , e eu choro tanto . São tantas posições que me doem. Tantos olhos e risadas que me doem . Não choro pela lembrança , mas pelo excesso da falta. Só tenho de vocês o que ficou no corpo , alguns sons , a risada do outro e meu medo de sobrar. Acho que por isso sobrei.
E dói.

Dominique Arantes