segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Solilóquio.Criança.Chão.Quarto.

Oi, tudo bem, posso deixar minha blusa aqui?
Sim.
Logicamente, de acordo com meus cálculos, eu tenho uma gripe. No número 78910, não deve ser nada demais. No número 7001, está falando que é uma dor de cabeça normal. Eu vim até o médico para saber o que está acontecendo comigo!
Então, logicamente eu vou te pedir para você calar essa boca.
Desculpa, é que eu estudo muito e sempre digo isso antes de uma consulta.
Certo. Mas podemos começar a consulta?
Sim, certo. Você acha que eu estou mal?
Não.
Você acha que eu vou ficar mal?
Não, não vai.
Mas eu tô passando muito mal e todo mundo na minha escola está falando que eu tô com virose. Tem algo que está me fazendo ficar super mega doente...
Olha, está bom... Senta ai, deixa eu te contar uma coisa...
Pode falar.
Então...
Ah, deixa eu pegar a minha bolsa para te explicar o que aconteceu. Aqui. Começou num dia de aula, assim, comecei a sentir dor de barriga, a espirrar, e a professora disse que de acordo com os cálculos que ela fez, eu estava doente. E o que que aconteceu, ela disse, vai no médico. Ai passaram duas semanas e duas semanas depois a minha mãe me percebeu doente e só duas semanas depois me mandou vir ao médico. Ai ela começou a ler um livro que na página 771 dizia que eu estava muito bem, mas na página 773 eu estava completamente doente. Espera. Eu tô falando. Eu sou criança, você é adulta, você pode falar sempre, eu não.
Sim.
Na livraria que eu vou...
Esse não é o assunto...
Tudo bem, eu estava com virose, gripe suína, eu comecei a passar mal de tanto que a minha mãe falava no meu ouvido. Tudo bem, eu tenho só nove anos e sou muito espertinha...
Eu imagino a dor que você esteja sentindo...
Não! Você não imagina!
Você não imagina a dor de cabeça que eu estou sentindo só por ouvir você falar tudo isso!
Mas eu nem falei um terço do que aconteceu na minha vida! Pior! Estavam me chamando não só de nerd, mas de nerd e nerd doente! Sabe aquelas nerds nojentas que você vê no filme?
Qual é o telefone da sua mãe?
Não liga para minha mãe que ela é muito tagarela!
E o telefone do seu pai?
Não. O meu pai não! O meu pai morreu.
Eu preciso atender as outras pacientes!
Mas você não me atendeu ainda! Eu nem terminei de te contar a minha história... Como eu ia dizendo, eu cheguei aqui no consultório e tinha uma menina com vestido e cabelo comprido e perguntei o que você tá fazendo aqui porque...
Espera um pouco que eu preciso anotar...
Não precisa, é uma história boba...
Então deita ai para eu te consultar!
Eu não posso deitar eu estou te contando uma história, me escuta!

[...]

Diálogo entre a BARBIE MÉDICA e a POLI NERD (Giovana), ambas dando o texto que digitei simultaneamente ao que a minha sobrinha de 9 anos estava inventando. Percebam que a POLI NERD é uma versão piorada dela mesma. Percebam a relação com a mãe e a relação com o pai. Percebam a tagarelice. Percebam que ela estava no chão, dentro do quarto, rodeada de bonecas. Percebam que hoje cedo eu disse para ela: nunca vi você brincando com suas bonecas. Até este momento ela não parou de improvisar essa cena. A médica já ligou para mãe que disse ser mãe da criança porque a filha nasceu de dentro dela. A menina nerd está falando vertiginosamente e a minha sobrinha já percebeu que eu estou prestando atenção, portanto, chega...

[...]

2 comentários:

Isadora Malta disse...

choro.

acho que a Giovana, como todas, sabe bem o que tá fazendo no chão com suas bonecas.

Caio Riscado disse...

as crianças lá de casa são assim: só dão atenção aos brinquedos quando se lembram deles.