quarta-feira, 18 de novembro de 2009

fica AI

Fica aí porque mulher barbada e anão juntos. Fica aí porque "aí" perdeu o acento na reforma ortográfica. Fica aí porque dor de dente. Fica aí porque ferida na boca. Fica aí porque cólica. Fica aí porque praça pública. Fica aí porque cistite e dor nos ovários. Fica aí porque amor mal amado. Fica ai porque amor desamado. Fica ai porque amor desalmado. Fica ai porque saudade que dói no peito. Fica ai porque arrepio daqueles fortes. Fica ai porque celular desligado. Fica ai porque carinho esquecido. Fica ai porque desesperança. Fica ai porque aliança. Fica ai porque rima desrrimada. Fica ai porque unha mal cortada. Fica ai porque controle remoto fora do lugar. Fica ai porque meio da rua. Fica ai porque palavra não dita. Fica ai porque hora marcada. Fica ai porque atraso. Fica ai porque demora. Fica ai porque espera desesperada. Fica ai porque dor nas costas. Fica ai porque meu deus. Fica ai porque choro engasgado. Fica ai porque choro dividido. Fica ai choro soluçado. Fica ai porque teatro. Fica ai porque rotina. Fica ai porque desregrado. Fica ai porque compromisso. Fica ai porque expectativa. Fica ai porque 2 carros. Fica ai porque tarde roxa e violeta. Fica ai porque manhã azul. Fica ai porque vento. fica ai porque calor. Fica ai porque frio. Fica ai porque paz, amor e saúde. fica ai porque parabéns. Fica ai porque almoço as cinco da tarde. Fica ai porque bebedeira ótima. Fica ai porque viagem. Fica ai porque casa da vó. Fica ai porque risada dividida. Fica ai porque piada ruim. Fica ai porque risada desacompanhada. Fica ai porque noite confundida. Fica ai porque confusão e mal entendido. Fica ai porque erro de comunicação. Fica ai porque erro. Fica porque acerto. Fica ai porque anão bonito. Fica ai porque movimento. Fica ai porque 2 gatos. Fica ai porque arroz integral. Fica ai porque microfone desligado. Fica ai porque se todas as coisas fossem iguais....

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Fica aí porque...

Fica aí e vê se consegue tomar uma decisão. Não tem jeito. Todos viram eu e você, tremendo beijo, no meio do salão. Um prédio clássico, abrigando acontecimento de tamanha contemporaneidade. Fica aí parado porque assim você não me mete medo e nem faz do acontecimento segredo. Fica aí, assim, dessa forma porque gosto dela. parecida com a forma que tinha quando lhe conheci. Fica aí porque ainda é difícil aceitar as mudanças por mais que eu saiba que elas são naturais. Fica aí porque você ficando eu consigo me recordar de todos os nossos momentos. Você me beijava e eu girava feito a "girafa gigi" daquele velho conto infantil. Você leu esse livro sobre os animais na escola? Eu li. Fica aí porque sem movimento não há tormento e meu coração pode descansar. Fica porque você ficando eu consigo aceitar. Tudo o que não volta e não pode voltar. No meio da rua, o menino me perguntou se acho que no futuro vamos ficar juntos. Eu disse que não sei, que não penso nisso. Daí ele perguntou de novo: " mas assim, no fundo, no fundo, você não pensa sobre isso?". Bom, no fundo, no fundo, todo mundo pensa. Mas acho que não. Fica então aí porque assim eu posso achar o que eu quiser. O que me me faz conforto e certeza. Fica aí porque você saindo eu vou ter vontade de ir atrás e não posso. Fica aí porque feito fotografia eu gosto de admirar nossos detalhes, todos os que criamos e ainda podemos criar. Eu sei que hoje, a ferida que carrego na boca, é sua. Fica aí porque você ficando eu posso te encontrar e dizer que minha vontade era de te socar por inteiro. Mas é só uma ferida, com a pomada, vai passar. Fica aí porque com você ficando eu me sinto vivo. É verdade. Pois há sempre a nossa história por contar. Fica aí porque você ficando eu tenho a impressão de ter um porto, lugar seguro para onde sempre posso voltar. Fica aí e não diz nada. As palavras, as vezes, complicam tudo. Fica aí e deixa o seu corpo falar. Deixa ele ter essa vontade louca de se atirar, atirando-me. Fica aí e depois me diz qual é a graça de viver momentos como esse. Fica aí porque assim você pode ler e constatar que ainda é adubo para o jardim que um dia criei. Fica aí vendo vida real se transformar em ficção, material para um trabalho em andamento. Fica aí e deixa pra gente todo esse movimento. Deixa para violenta, suas quatro paredes, seus seres pensantes, intrigados com a vida e sua forma bruta de ser e morrer. Fica aí assistindo, vendo a gente criar, pintar e bordar coisas não tão bonitas como nossa foto. Fica porque você ficando eu tenho material para as minhas composições. Porque não duvido de qual música cantar, qual texto falar, para onde caminhar e como sair. Fica aí parado e deixa os registros por minha conta. Deixa que eu conto aos outros, da minha maneira exagerada, prolixa e apaixonada. Fica aí vendo nosso filme passar. Fuma um cigarro, dá um dez, canta uma música, faz uma tatuagem nova, pinta o cabelo, corta as unhas e, por favor, me compra uma coca-cola e uma barra de chocolate.

Lesões incompatíveis com a vida de Angélica Liddell

Aos filhos que não vou ter.
Não quero ter filhos.
Não quero ir mais longe.
Sou uma epidemia de ressentimento.
Não quero ter filhos.
É a minha maneira de protestar. O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo renuncia à fertilidade.
O meu corpo é o meu protesto contra a sociedade, contra a injustiça, contra o linchamento, contra a guerra.
O meu corpo é a crítica e o compromisso com a dor humana.
Quero que o meu corpo seja estéril como o meu sofrimento.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é o meu pessimismo. Graças ao pessimismo posso fazer-me perguntas. Alguém tem de ficar em metade dos homens fazendo-se perguntas, alguém tem de ficar em metade da esperança fazendo-se perguntas. Alguém tem de ficar como um idiota. Alguém tem de ficar como excremento e fracassar definitivamente. A ausência de filhos ajuda-me a ser excremento e a fracassar. Os adultos saltam por cima do meu ventre agitando os seus filhos como bandeiras como se o mal tivesse desaparecido do mundo, como se a inteligência tivesse finalmente triunfado sobre o mundo, como se fossem insígnias de um mundo melhor. Não confio num futuro melhor. As famílias comportam-se com soberba, pensando que a sua prole vai ser diferente, que os seus filhos nunca irão trair como nós fomos traídos, que os seus filhos nunca danarão nem serão danados, que os reveses da vida sem dúvida serão menores e que os seus filhos jamais serão culpados seja do que for.
O meu corpo é o meu protesto contra as grandes esperanças dos pais, contra as grandes pretensões dos pais.
Não quero passar por esse estado de estupidez transitória.
Não quero que o meu ressentimento se interrompa.
Não quero deixar de pensar na injustiça.
Não seria justo para os excluídos que deixasse de pensar na injustiça, que deixasse de condenar os privilegiados.
Porém, não conheci nenhuma criança que se convertesse num bom adulto. As crianças não se convertem em bons adultos. Eu não sou uma boa adulta. A bondade não existe. Sou má, muito má.
Talvez essa seja a razão por que não quero ser mãe.
Talvez a nós, mulheres más, nos aconteça isso, não queremos ser mães.
Nós, as mulheres más, sem instinto maternal, pagamos o tributo de morrer sozinhas, podres, sem alegria, em frente ao televisor, em frente ao espanto, secas, rodeadas de moscas de diferentes tamanhos.
A nós, mulheres más, só nos pode acontecer a morte.
Acho bem.
Fui criança. Mas não me tornei uma boa adulta.
O papel do homem no mundo é absurdo. Navegamos de tara em tara
Quando me imagino a parir apenas consigo ver, assomando entre as minhas pernas, a cabeça grotesca de um monstro já fatigado pela imundície do universo, pelo inefável, pela mesquinhez.
O meu corpo é o meu protesto.
Não quero trazer nada ao mundo excepto o meu profundo horror pelo mundo. Depois dos desastres do século XX apenas posso sentir horror. Depois de tamanha exibição do mal, o homem já não pode redimir-se. Quem pode voltar a amar os homens? Quem pode voltar a cantar em louvor dos homens? Alguém disse que depois dos horrores do século XX não era possível continuar a escrever. A palavra tinha-se tornado absurda, insuficiente. Os filhos são como a palavra, insuficientes. Seria bom para a minha mente aceitar a insuficiência da palavra e do homem. Mas dentro de mim há um qualquer crocodilo que me impede de aceitar isso. Cada vez suporto menos a injustiça, cada vez suporto menos a maldade. O mundo está alicerçado na injustiça e no mal.
Apenas consigo protestar.
O meu corpo é o meu protesto.
Quero morrer sem ninguém, sem deixar nada para trás. É a minha maneira de me unir aos que foram exterminados, aos que sofreram sem limite.
Não quero esperança.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é um exemplo para suicidas, um exemplo para assassinos, um exemplo para todos os que se desprezam a si próprios.
Meu maldito corpo.
Minha decisão anormal.
Chega uma altura em que a sociedade se excita, se impacienta e procria, procria porque sim, procria. Que motivos tem?
Pergunto-me: que motivos tem?
Porém, a minha decisão é anormal.
Perdão pela violência.
A minha violência verbal é a minha luta contra a violência real.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu protesto contra os vestidos pré-mãmã.
O meu corpo, voluntariamente estéril, é o meu inconformismo.
O meu corpo é a minha falta de adaptação.
As grandes esperanças dos meus pais destruíram as minhas próprias esperanças.
O meu corpo é o meu protesto contra as grandes esperanças dos meus pais, contra as grandes e estúpidas esperanças do mundo.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é a minha acção.
A minha decisão anormal é a minha acção.
Em resumo, a minha vida é a minha acção.
Só quero ser filha.
Comigo termina a tirania do sangue.
Não quero constituir família.
Nunca acreditaria numa instituição que é fomentada, elogiada, aclamada, inclusivamente premiada pelo poder. Não confio em todos esses governantes que se fazem fotografar com as famílias.
A fotografia de família está sempre em cima das secretárias dos presidentes, em moldura de prata, a moldura é caríssima, a família merece a moldura mais cara, o presidente merece a família mais bonita, mais sorridente, mais feliz e mais cara. A família é o mais importante. A família é o mais importante. Sem família ninguém alcança o poder. O poder e a família, sempre unidos. Repugna-me.
As fotos de família lembram-me os arrepiantes cromos paradisíacos que os padres te mostram ao mesmo tempo que te cospem orações nas orelhas.
A família e o poder.
A família e a religião.
Não posso confiar numa coisa imposta pelo poder. Não posso confiar numa coisa imposta pela religião.
Nem que fosse apenas por esse motivo devíamos negar-nos a ter filhos.
Celine disse: “ Quando alguém ama os grandes da terra, está pronto a ser convertido em carne para canhão. Pelo afecto se começa. Os que estão no alto apenas conseguem pensar no povo por interesse ou por sadismo”
Concordo.
Também disse: “Vivam os loucos e os cobardes!”
Também concordo.
Não me sinto capaz de agradar aos poderosos, aos privilegiados. Se lhes agrado estou a alimentar a obesidade e o conformismo de uma sociedade idiota, delicodoce.
É necessário que haja alguém que não queira ter filhos. É necessário para desestabilizar as consciências. É uma forma de fazer justiça.
O meu corpo é o meu protesto.
É a minha forma de fazer justiça.
O meu corpo é o meu protesto.
Não quero ter filhos.
Quero ser pobre.
Não ter filhos é uma maneira de ser pobre.
Os pobres são essas pessoas cuja morte não interessa a ninguém.
Essa é a morte que eu desejo.
Não quero ter filhos.
É uma forma de ser um pouco mais pobre.
Às vezes penso que não depende de mim.
Estou possessa de uma raiva inidentificável que me obriga a enlamear-me continuamente na dor.
De onde vem essa raiva?
A quem pertence a vontade do enfermo?
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo protesta contra a minha geração.
A fraude da minha geração.
Criaram uma sociedade classista, orgulhosa, ambiciosa e brilhante
Com o suor das suas testas, brilhante.
Com o suor das suas testas, ambiciosa.
Com o suor das suas testas, orgulhosa.
Com o suor das suas testas, classista.
Apenas procuram a comodidade.
Imitam os pequenos ricos. Dizem o contrário, são muito progressistas, mas comportam-se como qualquer um da classe média.
Codiciosos, complacentes, comodistas, instalados.
Sim, reproduzem-se na comodidade.
E isso debilita as suas mentes.
As suas cabeças estão repletas de comodidade.
Pensam que as suas consciências são correctas, mas não o são. No fundo, a sua correcção é um tópico que lhes permite viver sem qualquer sentimento de culpa.
O meu corpo é o meu protesto.
Sou uma estúpida.
Sou aquela que se equivoca por pretender sentir-se perdedora e ridiculamente heróica. Acuso-me de petulância. Sou petulante por andar ao contrário do mundo. Ainda que talvez faça parte da sua inércia. Não gosto de pensar assim, mas a raiva obriga-me a isso.
Uma pobre ressentida com aspirações artísticas. Eis o que sou.
Não quero salvar-me.
Sou a pior. A pior.
Protesto com o meu corpo.
Sou um caixote de lixo cor-de-rosa.
A imundície da minha carne faz com que qualquer um que se aproxime se torne escrupuloso.
Estou consumida pela verdade.
A guerra envelhece-me
Observo a minha existência como se a minha existência fosse a de uma mosca.
Pertenço à fauna cadavérica.
Em que momento da decomposição apareço?
Há quantos dias está morto o cadáver?
O meu corpo é o protesto pelos cadáveres inocentes.
Não quero ter filhos.
Não quero mais funerais.
Quem é o responsável pela vontade de morrer de uma mulher?
A injustiça coloca espadas na cama da suicida.
Embora o meu coração tenha parado, o sangue continua a fluir pelo meu corpo para continuar a protestar.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é a minha acção.
O meu corpo é a minha obra de arte.
A minha decisão é a minha obra de arte.
Não ter filhos é a minha obra de arte.
Não fazendo filhos, faço arte.
O cheiro a café misturado com o cheiro a peixe faz-me vomitar.
Relaciono esse cheiro com a maternidade.
E ao mesmo tempo relaciono-o com a morte.
E penso: na família tudo acontece no escuro. Não suportaria nem mais uma grama de hipocrisia.
Porque na família amamos mas também somos obrigados a amar.
Este facto origina relações tenebrosas, sem bases, que desembocam em camuflagens dolorosas.
Na família tudo acontece na escuridão.
O meu corpo é o meu protesto
Protesto contra a ausência de paixões.
Protesto contra a fraqueza e a sensatez.
Protesto contra o uso do dinheiro.
As famílias recém-constituídas trabalham para poderem comprar arcas frigoríficas maiores, carros maiores, férias mais caras porém mais insípidas.
As famílias trabalham para não perderem nem uma grama do prestígio social.
As famílias trabalham para não perderem nem uma grama de segurança.
Protesto contra o prestígio social e protesto contra a segurança.
Aqui está o meu corpo protestando, sem filhos.
As famílias trabalham arduamente para parecerem ficarem como os ricos.
Aspiram ao bem-estar total.
Em nome dos seus filhos aspiram ao bem-estar total, quer dizer, ao supérfluo.
Perderam o sentido de bem-estar.
O meu corpo protesta contra o bem-estar.
As famílias trabalham arduamente.
Aspiram à calma total.
Protesto contra a calma.
O meu corpo protesta contra a calma.
O bem-estar, a segurança, a calma.
Tudo o que os alisa.
Nada de paixões. Nada de excessos.
Trabalham para pagar o ginásio.
Para pagar a protecção enquanto trabalham.
Enquanto trabalham para pagar a protecção e o seu eterno descanso.
E o seu eterno sacrifício.
Não posso identificar-me com eles.
Não posso identificar-me com um plano de pensões.
Não.
A minha vida é patética e adolescente.
Sou uma merda.
Mas não quero ser como eles.
Tanto faz. Não é possível fazer marcha atrás.
A minha geração move-se em direcção à estabilidade, ao plano de pensões, ao restaurante caro, ao carrinho cheio de compras, move-se em direcção a um consumo sem limites.
Por detrás das suas carteiras são uma massa flácida e sem forma.
Eu não sei para onde estou a ir.
Em qualquer caso, não ter filhos dá-me força. A minha decisão dá-me força.
A minha geração move-se tanto que não tem tempo para pensar.
Utilizam quatro tópicos para pensar e vão para a cama. Tão seguros, tão estáveis.
O meu corpo protesta contra a estabilidade.
Há demasiados funcionários.
Protesto contra os funcionários.
E os funcionários protestam porque o salário não chega para comprarem um carro mais caro, um queijo mais caro, um restaurante mais caro, uns calçõezinhos mais caros, uma merda mais cara. Protestam para mudar os azulejos das paredes do quarto de banho. Protestam por isso, porque precisam de encher o carrinho de compras até à insuportabilidade.
O meu corpo protesta contra os funcionários.
A economia determina as relações afectivas.
A economia determina as minhas acções.
O meu corpo é a minha acção.
Não tenho medo da pobreza.
A minha economia determina o meu protesto.
É impossível uma relação com aqueles que nunca tiveram na vida consciência de ruína e de pobreza.
Impossível.
A ausência de consciência de ruína e de pobreza defrauda-me completamente.
Por isso protesto. O meu corpo é o meu protesto.
A pobreza é tão indesejável como a mediania.
A raiva faz-me delirar.
Que fazer para evitar esta raiva aqui dentro?
Só protesto.
O meu corpo é o meu protesto
O meu corpo é a minha acção.
A minha vida é a minha acção.
Não quero ter filhos.
Porquê?
Talvez por raiva, esta raiva, aqui dentro.
Está sempre prestes a começar uma guerra.
O mundo é maravilhoso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

da ordem dos super conselhos...

Você deveria tentar esquecer isso!

Da ordem do inevitável:

E enquanto você me deslia: meu cabelo secou. minha grana acabou. o gato pulou. o cigarro apagou. o copo derramou. o celular tocou. a vista embaçou e o corpo pediu. o sangue estancou. o livro fechou. a cama desarrumou. a tv pifou e o corpo pediu. o microondas escangalhou. passou pela porta, tropeçou. no tapete, derrapou. na sala, gritou e o corpo pediu. a maquiagem borrou. o computador travou. nas horas, congelou. minha fonte esgotou e o corpo pediu. o vestido rasgou. o armário entortou. no espelho, lançou. comprimidos tomou e o corpo pediu. o ipod ligou. ao som se dançou. pelo chão, desfilou. a coluna esticou e o corpo pediu. na cozinha, preparou. com a boca, abocanhou. com os dentes, estraçalhou. com o organismo, empacotou e o corpo pediu. no chuveiro rolou. na água quente, cantou. com a toalha, encenou e o corpo pediu. no corredor, amarrou. o cabelo, pintou. a roupa, desamarrotou e o corpo pediu. com a família, sonhou. por seus santos, rezou. pelos amigos suplicou e o corpo pediu. na rua, apanhou. o joelho, machucou. o rosto transformou e o corpo pediu. o carro comprou. pelo telefone, avisou. em sua nova casa, buscou e o corpo pediu. no engarrafamento, trepou. camisinha estourou. retrovisor se danou e o corpo pediu. o homem, pegou. a mulher, desdenhou. o sexo latejou e o corpo pediu. casaca virou. para os outros, gritou. sua voz aumentou e o corpo pediu. na avenida, parou. diziam todos, pirou. burburinho findou. nu, chorou. a chance acabou. amar, sabe que amou. o corpo pediu.

Da ordem dos super conselhos:

"Em casa falo como se fala em casa."

Beatriz Bracher

desler

deixar de ler
não deixar de te olhar nos olhos, mas
deixar de olhar nos olhos aquilo que eles anseiam por ser
lidos

deixar de completar o princípio
deixar a pele magoada
por sobre a inscrição
"magoo-me facilmente"

deixar de ler o que opera diante de ti
e avançar mesmo assim
do tipo tenho dor,
mas você aguenta.

deixar de ler
e convertar a conversão via soco
via brutalidade
via vitória virtuosa da violência

desler

eu deslia a TV
nisso, eu desli VOCÊ
que diante da televisão ligada
deslia a minha atenção
e me requisitava sobre a cama
já por nós deslida
já por nós magoada

cama por nós substituída
deslida
despropositada
desfeita a cama
desfeita o nosso acordo
desfeita, naquela noite, a nossa estrada
...

o que você deslê
o que você deslia
o que é você é desleitura
em outras palavras
o que você apatiza?

ai, oi, ohs, vendaval.

a questão é que eu nunca sei quando o que eu sinto é um ai ou é aí. o onde. se é em mim ou se é em ti. se quando ai dói aqui, dói também aí em ti? a dor é minha não é de mais ninguém. a dor não é minha, só é de todo alguém (que não eu). ai, que difícil acentuar a questão. que difícil versar sobre a gravidade, sobre a gravidez, sobre essa sobriedade embriagada da moral.

ai, oi, ohs, vendaval. essa interjeição que diz tudo menos amor. essa interjeição que grita e consome e confunde precipício com princípio que confunde ardência com ardor. ai, ohs, oi, a dor?

cada um escreve de uma forma essa mesma experiência. esse mesmo estado. essa mesma impaciência. sabe? uns ficam mais tempo quietos, calados. outros escrevem, outros gritam, outros procriam a dor e fazem da dor novo salto. salto alto. salto aí. sobre isso, sobre ti, sobre mim, sobre os dois. ai, aí, feijão com arroz já não faz tanto sentido. aí, a fome da carne é de novo o princípio. e cá estamos nós outra vez diante do precipício...

rol das palavras inevitáveis (aquelas capazes de matar e salvar, at the same time)

1. fica! do verbo ficar no imperativo
...

domingo, 15 de novembro de 2009

FICA AI

fica ai. fica. fica ai.

Fica ai porque não adianta voltar. voltar não significa recomeçar se é isso que você espera. fica ai porque recomeçar não significa estar de volta. Fica ai! Fica ai porque eu acho que a gente não se entendeu ainda. Fica ai porque eu preciso me observar com mais calma antes de tentar recomeçar. Fica ai porque você é homem e eu sou mulher. Fica ai mais um pouquinho, porque se você chegar perto eu não sei o que pode acontecer. Fica ai, não vai buscar o controle. Olha, ele fica mais bonito entre os carros no meio da rua. Fica ai que eu preciso arrumar a CASA antes. Fica ai porque daí eu não não escuto sua voz e posso lembrar dela como eu quiser. Fica ai porque seu cheiro invade meu espaço. Fica ai porque eu não enchi balões suficientes. Fica ai porque não temos uma música ainda. Fica ai porque quando estamos perto achamos que já estamos próximos o suficiente. MENTIRA! Fica ai porque já tá todo mundo solto e se você chegar perto eu posso cair. Fica ai porque quando você vem sem avisar a surpresa é maior do que eu posso aquentar. Eu vou morrer. Fica ai mas volta antes que eu consiga escrever 5.000 caracteres. Fica ai mas quando vier vem correndo. Fica ai porque não sei ainda se sua força vai ser suficiente pra me segurar. Fica ai porque não posso aquentar você indo embora depois. Fica ai pra eu poder receber uma carta sua. Fica ai mais não demora tempo suficiente pra receber uma carta dizendo que eu morri.

sábado, 14 de novembro de 2009

Tudo porque eu não tenho mais forças. Eu não consigo mais. Eu to parada faz um tempo , sem sair daqui . Parada sem esperar nada. Eu digo ,eu não tenho mais força. Luz ou escuro já me são indiferentes. É tudo assim , estavél e mutavél ao mesmo tempo. Eu não sei se estou à frente ou se ainda não cheguei ai , onde todos chegaram. Eu realmente não sei... Só digo , so, mais uma vez sozinha , que não aguento. A minha pele já esta toda rachada , minha respiração ainda tem dificuldade de respirar e não é problema de saúde, é cansaço , só. Mentira , tem um pouco de solidão, e excesso de palavras escutadas e ordem para obedecer e coisas para gritar. Mas tudo se resume no vazio que fica quando a gente não sai do lugar.

Os olhos abrem sem vitalidade e a mão digita automaticamente , mais uma vez, no mesmo teclado , no memso quarto das paredes esverdeadas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Deslia a tv porque...

Desliga a tv porque faz mais de uma hora que ela está ligada. Já faz mais de uma hora que a tv está ligada e você nem olhou para o que está passando. Aposto que não sabe nem em que canal está. Desliga a tv porque não é ela que vai lhe fazer compania. Sentir-se acompanhado só porque algo está fazendo barulho é o mesmo que estar sozinho. Você pode, por favor, desligar a tv porque eu não aguento mais olhar para cara desta mulher. Gente, é só você pegar o controle que está do seu lado. Meu Deus, você não vai me fazer levantar, vai? Desliga a tv porque eu quero conversar. Nós precisamos conversar. Eu posso lhe passar todos os informes sobre o dia depois. Desliga a tv porque durante o jantar a gente já não se fala mais. De manhã acho que nem olhar nos olhamos. Percebo que você não está mais em casa quando ouço a tranca da porta. Desliga a tv porque eu preciso lhe dizer que despedi a empregada. Que estamos passando por momentos difíceis e que, talvez, você precise largar o inglês. Que tem uma inflitração enorme no banheiro e a vizinha de cima só falta me estrangular quando esbarro com ela no elevador. Você sabe que eu mudei o horário de fazer o supermercado só para não cruzar com ela? É evidente que você não sabe. Ah, estamos também sem internet e o telefone vai ser cortado a qualquer momento. Tudo que está na geladeira eu comprei fiado, mas não vou fazer mais isso. A máquina de lavar pifou ontem e eu não consegui pedir a vizinha da frente que lavasse o seu terno. A sua mãe ligou e disse que vem no fim de semana. Deixa vir... Ela vai adorar encontrar a CASA desse jeito. Desliga a tv e liga para a merda da sua mãe e diz para ela não vir! E se ela perguntar o porque...se ela perguntar... Você diz que, diz que eu pirei. isso. que eu pirei e só quero vê-la no natal. Diz que as minhas unhas não estão bem feitas e que... isso, peça que ela espere mais um pouco. Só faltam cinco meses para o natal. Tenho certeza que ela pode suportar. Desliga a tv porque eu não suporto quando você me deixa falando com as paredes. Desliga a tv porque se você não desligar eu vou ter de fazer isso por você. por nós. Desliga porque já perdeu a graça, sabe? Toda noite a mesma coisa. Olha, eu vou lhe dizer uma coisa, só mais uma: desliga essa tv porque se não eu vou me atirar pela janela. Não. não! não! Agora. Anda, desliga! Desliga essa tv porque eu preciso saber que você ainda tem um pingo de respeito por mim. Querido, eu não aguento mais ver este comercial sobre ter a merda de um toque de celular especial, com o seu nome. Desliga a tv porque eu vou começar a gritar. Vou chamar pelos vizinhos. Eu to pirada, hein. E depois não diga que eu não te avisei.

- um copo com água.
- sete cigarros.
- um trident
- uma barra de ceral ritter
- ventilador ligado
- óculos em cima da mesa
- bolsa no meio do caminho
- telefone ocupado
- pia lotada
- controle de televisão - isolado no meio da rua.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Apagão.

Me violenta saber o quanto dependemos de nossas próprias invenções. Faltou luz. Ficou tudo escuro. Eu tive um medo enorme de ir para CASA.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O óbvio me violenta

Como é com o sol
Como é com o soco
Como é também com a pena
Como com o nojo
Como com algemas
Como é também com irmãos
que não se aguentam

Como é com o tiro
Como é quando alguém silencia
e o tempo nisso se esvái
pesando mais e mais
a cada lapso
a cada medo contido
a cada desejo segredado

É óbvio
como o que se faz à pele:
eterno desgastar.