sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Eu teria dito...

Caso alguma coisa não tivesse me calado. Estamos falando sobre amor, sempre, sejamos isso mesmo, bem autoritários. O que ela escreveu, o que eu, você, nós, todos elas, elas, os indefinidos, o que escreveram todos os nomes, todos os artigos, pronomes, pretensos escritores. Tudo foi é e sempre versará sobre o amor. Sobre esta invenção. Sobre este horror.

O amor é alguma coisa que inventamos para amenizar a solidão. É mesmo alguma coisa, porque aceita ser inclusive a indefinição. Pode ser erro, acerto, acaso, passado, pode ser tempo, vento, beijo, desejo. Desejo. Acho que precisamos erguê-lo. Colocar o desejo no alto e instaurar a disputa: amor versus desejo. Desejo vence. Tem que vencer. Muitas vezes falamos que é amor aquilo que é fome, que é puro prazer. Pura sede dos toques, desejo sede do corpo gritando pelo choque! Choque!

Eu teria dito, naquele dia, naquela circunstância, eu teria dito: sério, você é a coisa mais incrível que está acontecendo comigo agora. Não disse. Fiquei quieto. Te olhando. Você perguntou. O que foi. Eu disse nada. Você disse nada. Eu em nada morri. Fiquei quieto, olhando seu rosto, seus olhos, sua cara, fazendo outras mais para tentar dialogar com o meu silêncio. Eu fiquei mudo, tamanha a vontade de te dizer o mundo. Tamanha a minha vontade de dizer vem, eu te seguro. Mas não disse. Eu teria dito,

se já não soubesse que com amor tem que ir devagar. Quem inventa essas coisas? Todos os amigos ao redor dizendo, vai com calma, com calma por quê? Se dentro de mim as coisas se avassalam e se atropelam e nem me deixam sequer entender? Pede-se calma ao desejo? Pede-se calma ao corpo que tem fome, sede, ao corpo carente, ao desapego?

Ele entrei dentro de casa. Estavam as duas no auge de sua prosa romântica. Se conversavam sobre a novela, sobre como crescem as crianças, eu não sei. Cruzei a sala e vinha pingando a chuva que me pegara desprevinido. Elas disseram, você vai molhar o carpete. Você vai pôr dentro de casa um rio. Eu me senti tão mal, confesso. E se eu ali parasse, todo molhado, e dissesse: quero ser rio. O que elas fariam?

Não soube como proceder. Me disseram de água, de rio, de molhar, quando sequer perceberam que aquilo tudo era eu. Que aquilo tudo eu poderia ser. Eu poderia ser. Eu poderia. Eu teria dito, vocês não percebem? O que vocês comeram, que cheiro é esse, o que aconteceu com o peixe, cadê sua comida? Quando eu vi uma cadeira caída no meio da sala, de ponta cabeça, eu soube imediatamente o que falar: e saí da sala, voltando à rua em chuva.

Na rua. Eu relutei mas sentei eu sentei na calçada encharcada. Eu fiquei parado, a cabeça pesando a cada gota que entre meus cabelos se instalavam. Eu abri os olhos, mirando o chão e pensei: as coisas todas correm, elas seguem toda um rumo. Eu não. Um rumo a seguir. Eu não. Um rumo. Ou nada. Um muro. Ou murro. Alguma coisa que pudesse me indicar um caminho, um fio, exato, a seguir.

Você cruzou a rua. Eu ergui a cabeça. Achei que tinha sido atraído por você que eu desconhecia. A luz do poste, sob a chuva, foi contornando o seu rosto através da rua em movimento. Quando nos vimos, você já não era quem eu queria que você fosse, como o visto naquele primeiro momento. Como o visto naquele primeiro momento em que eu não te vi de verdade, mas apenas a silhueta, apenas um corpo vago para meu desejo ali em mim despejado. Não temos jeito, pensei.

Sou um ser desesperado. E voltei para casa, resfriado.

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